O CINEMA DE WES ANDERSON
um texto de David César
Para Robert McKee, não há dicotomia entre a estrutura narrativa e o personagem. O clímax da história está diretamente ligado a seu estilo que por sua vez, não é superior ou inferior ao seu protagonista. A estética cinematográfica e seus deslumbres dão o impacto final e quase eterno em seu espectador. Tonalizando boas obras, quando partimos de uma sala de cinema tudo por um momento parece fora da realidade, um resquício daquele árduo trabalho fica preso em nossa memória. A elegância de uma boa obra cinematográfica está em sua estética criativa e na forma com que seus autores a trabalham na ligação da estrutura.
É com essa proposta de estilo narrativo que Wes Anderson vem traçando nas últimas duas décadas. Conquistando milhares de espectadores em todo o mundo, otimizando seu ar cômico e conectando Hollywood com cenários europeus e asiáticos, o estrambólico sr. Anderson provavelmente inaugurou um estilo diferente de fazer cinema que não se via semelhante desde a década de 1960.

• Estilo Narrativo
Estudante de Filosofia na Universidade do Texas, interessado por novelas, histórias locais e Escrita conheceu Owen Wilson, quem mais tarde seria o seu parceiro profissional mais influente e um dos maiores atores de Hollywood do cinema contemporâneo. “Bottle Rocket” de 1996, marcou a familiaridade do sr. Anderson com o mercado cinematográfico, proveniente de um curta-metragem com o mesmo nome de 1994. As influências pessoais a partir de então são evidenciadas em seus cenários e suas tramas.
Sua paixão infantil por romances, influenciou diretamente em sua maneira de contar histórias. Seus roteiros são como um transporte para contos cômicos de quadrinhos ou jornais do século passado. Penso que diferentemente da maioria dos cineastas, os protagonistas de Wes Anderson não carregam uma sombra de seu criador. A sua genialidade vai além de criar uma jornada ou um mundo para o fluxo narrativo, aparentemente seus personagens criam seus próprios mundos ou o contrário. Ademais, é comprovado que a personalidade do sr. Anderson reina em seus elementos de cenário exagerado.
O neoformalismo acadêmico, é uma boa definição da técnica e formato de roteiro e produção de Wes Anderson. Há métodos que são contínuos, mas há também imaginação e loucura que vão soar mais alto na mente do autor. De acordo com Robert McKee o “beat” narrativo “é uma mudança de comportamento em ação/reação. Beat a beat esses comportamentos em mudança moldam os desdobramentos de uma cena”. E para o sr. Anderson, as unidades dramáticas que movimentam seus filmes, aparecem discretamente em seus diálogos e conflitos.
A corrente filosófica trivial que Wes Anderson leva em suas tramas, provavelmente decorrido de sua formação, constrói um formato singular de estilo que chamarei carinhosamente de “sutileza cômica”. Levando em consideração a narrativa aristotélica, as obras do sr. Anderson são tratadas em seu fluxo como Comédia e que poucas vezes terminam em Tragédia. Mesmo com o peso dramático que a obra possa carregar, em seu “todo” terá um ar cômico que sustenta a narrativa, podendo estar presente nos diálogos, na trilha sonora ou na apresentação de cena definindo bem os detalhes sutis das ações. Um exemplo dessa sutileza está em uma das primeiras cenas de “The Life Aquatic with Steve Zissou” (A Vida Marinha Com Steve Zissou) de 2004, onde Steve e Ned consideram uma conversa bastante decisiva e muito delicada se fosse tratar de “vida real”. Mas estamos em um universo de Wes Anderson, portanto, o diálogo foi simples e pouco impactante, o cenário fora retratado por um salão em filmagem anamórfica, atrás dos protagonistas se encontra um velho lendo jornal em posição nada formal e mais no fundo, um empregado polindo taças.
A construção de detalhes para o sr. Anderson é primordial como podemos observar em seus bastidores divulgados. Embora pareça banal, esses ricos detalhes de ações são o suficiente para sustentar o fluxo narrativo e sua moralidade. No filme “The Darjeeling Limited” de 2007, o uso do trem indiano pode ser tirado como metáfora para a recuperação familiar dos três protagonistas, como se os conflitos viessem com um propósito maior de resgate do mistério dos irmãos. Citando o trem em questão, há diversas suposições da Crítica para que o espectador observe que nem sempre as pessoas são os protagonistas, mas sim o portador das cenas. Por exemplo, no “The Grand Budapest Hotel” (2014) o hotel claramente poderia ser o protagonista, em “The French Dispatch” (2021) a França tem a primazia e em “The Life Aquatic with Steve Zissou” o barco Belafonte agrega os seus personagens.
Entre as centenas de habilidades de Wes Anderson, há uma que chama atenção, sua técnica de trabalhar com crianças em cena. Em uma entrevista para Vanity Fair, o diretor declarou que François Truffaut e Steven Spilberg, dois gênios do Cinema, foram sua inspiração para o trabalho com crianças no set. Se considerarmos “Rushmore” (1998) e principalmente “Moonrise Kingdom” (2012), há uma técnica percebível na atuação das crianças em suas performances naturais e quase sempre, mostrando garotos agindo como adultos e até o contrário. Captar os melhores momentos de crianças sendo livres ou em grandes grupos como um “exército”, é um ponto abundante de Spilberg que o sr. Anderson conseguiu reproduzir.

• Personagens e Galeria
Como um grande cineasta, desde o início de sua carreira na década de 1990, Wes Anderson já havia “capturado” os melhores bastidores para suas ideias. Owen Wilson, Jason Schwartzman, Adrien Brody, Bill Murray, Edward Norton e Tilda Swinton são atores fiéis, presentes na maioria da obra de Wes Anderson. A família Coppola aparentemente sempre esteve presente nas raízes de sua cinematografia, dois membros devem ter destaque, Roman Coppola como seu principal roteirista e Jason Schwartzman como ator em boa parte de sua filmografia. Além dessa galeria teatral, Jeremy Dawson e Robert D. Yeoman, como produtor e diretor de fotografia são essenciais para uma boa produção Anderson.
A ligação do cineasta com sua galeria de atores é fluência para a formação de seus personagens. Atuação é teatro, mas nas obras de Wes Anderson, coincide em cada ator ter sua personalidade que não é ofuscada pela vida do personagem interpretado, como se o filme fosse uma noite de teatro onde conhecêssemos todo o elenco. Um grande exemplo de sua galeria teatral está na apresentação de atores/personagens do filme de 2001 “The Royal Tenenbaums” (Os Excêntricos Tenenbaums).
As cênicas desenvolvidas por Wes Anderson são impossíveis de serem descritas ou solucionadas. Mas há um ponto de destaque porquanto diretor que somado pela bagagem dos atores, cria-se atuações sutis e altamente cênicas. Um grande exemplo disso é Maryl Streep como Sra. Raposo (Mrs. Fox) na animação de 2009 “Fantastic Mr. Fox” (O Fantástico Sr. Raposo), Streep é fortemente ligada à Dramaturgia e sua forma em gravura no filme, realça sua sutileza. As personalidades pregadas nessas obras são quase sempre consequentes do cânone Anderson, a formação pessoal de protagonistas, nunca oscilam no Monomito (Jornada do Herói, teorizado por Joseph Campbell). A figura jamais se transforma, sua formação permanece até o fim. Max Fischer (Rushmore) pode ser o maior exemplo para isso, sua psiquê gera uma feição tênue e singular provida de seu comportamento obsessor, manipulador e genial que o leva até a glória, mas também à queda. Um âmbar melancólico e deprimente também interpretou duas personagens de Anderson de maneiras quase idênticas. Margot Tenenbaum (The Royal Tenenbaums) e Suzy Bishop (Moonrise Kingdom), assimilam não só no visual, mas em seus comportamentos profundos.
O genial ator Adrien Brody, assim como Jason Schwartzman passou por um certo batismo estético de Wes Anderson. Julien Cadazio em “The French Dispatch” (A Crônica Francesa) e Peter Whitman em “The Darjeeling Limited”, são dois exemplos da memorável atuação típica de Brody e suas semelhanças, assim como Schwartzman, ao longo da filmografia.

• Música, um pacto acústico
A sensação musical nas produções de Wes Anderson é devidamente o terceiro, senão o segundo, fator que hipnotiza o espectador. De doze longa-metragem, nove deles são honrados em ter álbuns de trilha sonora própria. Oito são do aclamado compositor Alexandre Desplat. A música de “The Life Aquatic with Steve Zissou” é de Seu Jorge, que após assistir “Cidade de Deus” (2002) o sr. Anderson viu que poderia incrementar o “brazilian session” no seu filme. Seu Jorge apresentou um álbum inteiro com quatorze faixas interpretando David Bowie e suas próprias composições de forma acústica e boêmia, além de atuar no mesmo filme como Pelé.
Os três primeiros longas de Wes Anderson compilam canções que transformam suas estéticas. Em “Rushmore” e “The Royal Tenenbaums” soa The Who, Faces, Bob Dylan, Rolling Stones e Paul Simon. A música interfere o impacto diante uma cena e inspira o sr. Anderson mesmo antes de filmá-la, como é o caso de diversas cenas em “Rushmore” onde o sentimento nostálgico, jovem e jazzístico permanece no fundo. Mas Beatles e Vince Guaraldi Trio não são o destaque do pacto acústico do sr. Anderson.
Alexandre Desplat, o ilustre compositor de vários temas do Cinema criou uma filosofia musical especialmente para Wes Anderson que aparentemente o encantou em “Fantastic Mr. Fox” e o fez repetir a dose nas próximas produções. O tema “Mr. Fox in the Fields” sugere o pp (pianismo) na orquestra de Desplat. O dedilhado do banjo contínuo em D (ré) e F (fá) evoca a sensação cômica e leve pela primeira vez diante das cenas de Anderson. A orquestra de Desplat conversa entre si, o solo esperançoso do contrabaixo é a resposta dos pizzicatos e o xilofone traz sua infantilidade para a reunião que nasce do espírito do filme.
Em “Moonrise Kingdom”, Desplat apresenta quatro temas muito bem elaborados que dão continuidade como uma ópera. A composição de “The Heroic Weather” abraçou todo o sentimento despertado na filmagem da obra, seu paisagismo, mistério e escotismo. Cada tema carrega uma personalidade, mas todos se conectam, como irmãos de idades diferentes. Primeiro os coros, cordas, percussão marcial e piano, depois a guitarra, ukelele e o banjo roubam o solo e por fim todos se unem com um órgão B-3. A parte sete de “The Heroic Weather” unifica tudo com uma ótima narração do protagonista por cima de toda a orquestra citando todos os instrumentos como Harpa, Celesta, Contrabaixos, Sinos tubulares, Cymbals, Trombones, Sax Tenor e muitos outros.
A percussão marcial de Alexandre Desplat parece ter sido o encaixe perfeito para toda a filmografia de Wes Anderson. Os temas cômicos e circenses permanecem em “The Grand Budapest Hotel”, “The French Dispatch” e “Asteroid City” (2023). Em “Isle of Dogs” (Ilha dos Cachorros) de 2018, as composições parecem ser mais opacas e frias, interpretando bem a estética do filme. Temas como “Nutmeg” e “Toshiro” evocam batuques guerreiros na orquestra fazendo jus ao distópico cenário japonês.

• Cenário e maneira de filmar
Ao assistirmos um filme convencional em uma sala de cinema, nos deparamos com um foco no personagem, principalmente em diálogos e conflitos. Mas em Wes Anderson, observamos a obra amplamente em quase todas as cenas, muitas vezes os personagens não se encontram centralizados ou filmados de lado, abrindo assim, mais espaço para o cenário se apresentar.
O Teatro do sr. Anderson não está apenas em sua galeria de personagens, mas também em como o seu cenário se comporta. A quebra da quarta parede somada com a filmagem anamórfica, valoriza o cenário criativo cheio de rastros de seu cineasta. Em “The Darjeeling Limited” o plano de fundo é quase sempre interligado com as ações de seus personagens, como dentro do trem e no exterior. Em um de seus recentes curtas, “The Rat Catcher” (2023), Wes Anderson explora o plano imóvel e irreal, semelhante aos seus filmes animados.
Há uma singularidade na filmagem do cenário presente em todas as suas obras. Frames que podem servir de exposição na casa de qualquer amante de Cinema. E por mais incrédulo que possa soar, o cenário de Anderson é quase sempre real e manual. Talvez o trabalho mais árduo, entretanto o mais premiado, “The Grand Budapest Hotel” utilizou o cenário da forma mais recreativa possível, somando os tons róseos, encarnados e púrpuras das paredes e uniformes com a estabilidade da filmagem. Valorizando balcões, muros velhos, janelas e mármore foi que a produção conseguiu atingir seus objetivos de cena. Todos os elementos do cenário, mesmo que inanimados ganharam o seu valor, como em uma peça teatral.
Em “The French Dispatch” não há intervalos no cânone artístico, o diretor não tem medo de usar dois segundos de tela com um frame que por mais trabalhoso que ele possa ser, não servirá para o objetivo narrativo final, com a exceção de deixar o filme mais luxuoso. A riqueza dos detalhes de Wes Anderson no filme não se deve apenas de retratar crônicas francesas, mas em envolver o espectador no drama criado e filmar o lado A e B do seu cenário, assim como em “The Wonderful Story of Henry Sugar” (2023). Trabalho este que quando somado ao seu modo de filmar em preto e branco, ou nivelar frames com múltiplos personagens, otimiza uma leveza jornalística e ficcional.
Desde “Bottle Rocket”, seu primeiro longa-metragem, Wes Anderson se preocupa em uma filmagem anamórfica quase nunca ofuscando detalhes. A opacidade e “blur” está cada vez mais presente no Cinema contemporâneo, porém o sr. Anderson, retrata todo o plano de filmagem sem se preocupar em ocultar o fundo, como Hitchcock. Essa forma de filmar desenvolve a sensação nostálgica, cômica e singular que conhecemos em seus filmes. E por mais metódico que possa parecer, mesmo que o sr. Anderson nunca se rendera ao handheld, há momentos em que sua filmagem incorpora espontaneidade capturando frames desnexos e corridos, como em “The Darjeeling Limited”, destacando a eficiência de gravação a bordo. Os frames e as transições capitulares incorporam a última beldade de Anderson a ser analisada, sua maneira literária de filmar.
• Literatura cravejada
Todas as obras do excêntrico Wes Anderson são criadas como Literatura ou são inspiradas na mesma. E o maior exemplo disso é a própria narração literária e teatral de suas obras. Em “Moonrise Kingdom” o narrador é um estranho marinheiro, “The Royal Tenenbaums” apresenta um narrador oculto. A nova quadrilogia de curtas do cineasta “The Wonderful Story of Henry Sugar and Three More” (2024), traz uma das temáticas mais literárias de sua obra. A história principal de Henry Sugar estralando Benedict Cumberbatch é uma adaptação de um livro do britânico Roald Dahl, cujo quem também escreveu o livro infantil “Fantastic Mr. Fox”. Wes Anderson incluiu o aclamado Ralph Fiennes para ser o narrador e interpretar Road Dahl como um clássico velho inglês.
Voltando ao “The Grand Budapest Hotel”, concretizamos a real inspiração revelada por Wes Anderson através de uma conversa com seu velho amigo roteirista Hugo Guinness, onde imaginavam uma história em que seu outro amigo Robin que conhecia sobre hotelaria, poderia ser concierge de um hotel. Somado com a leitura de “Beware of Pity” de Stefan Zweig, o sr. Anderson capturou o que seria a história do Hotel Budapeste. Esse fato é muito interessante pois soluciona a sensação novelística que muitos espectadores, inclusive eu, têm ao assistir o filme. Para o diretor, Zweig foi como um filtro para aquela ideia. E pressupondo a estética literária do austríaco, é evidente que capítulos, narrações e personalidades formais foram influenciadas. Assim também ocorre em “The French Dispatch”, o mais jornalístico de seus filmes.

• Conclusão
Podemos concluir que a Sutileza Cômica de Wes Anderson pode se encontrar facilmente na semelhança que seus filmes criam sozinhos, como as típicas quedas de aviões presentes em histórias de “The Royal Tenenbaums”, “Isle of Dogs” e o mais recente “The Phoenician Scheme” (O Esquema Fenício) de 2025. Assim também a sua atração por cultura indiana e suas produções de curta-metragem coincidentes do mesmo universo de seus filmes, como “Hotel Chevalier” e “The Swan” sendo uma possível visão do binóculo de Suzy de “Moonrise Kingdom”.
Wes Anderson é muitas coisas, mas o que podemos ter certeza ao sentarmos em prol de um filme, é saber que nele se encontrará comédia boba, cores confortáveis, organização de apresentação e a esperada “sutileza cômica”.
Filmografia relevante de Wes Anderson:
. Bottle Rocket (curta-metragem) – 1994
. Bottle Rocket (longa-metragem) – 1996
. Rushmore (longa-metragem) – 1998
. The Royal Tenenbaums (longa-metragem) – 2001
. The Life Aquatic with Steve Zissou (longa-metragem) – 2004
. Hotel Chavalier (curta-metragem) – 2007
. The Darjeeling Limited (longa-metragem) – 2007
. Fantastic Mr. Fox (longa-metragem) – 2009
. Moonrise Kingdom (longa-metragem) – 2012
. The Grand Budapest Hotel (longa-metragem) – 2014
. Isle of Dogs (longa-metragem) – 2018
. The French Dispatch (longa-metragem) – 2021
. Asteroid City (longa-metragem) – 2023
. The Wonderful Story of Henry Sugar (curta-metragem) – 2023
. Poison (curta-metragem) – 2023
. The Swan (curta-metragem) – 2023
. The Rat Catcher (curta-metragem) – 2023
. The Phoenician Scheme (longa-metragem) – 2025
